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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O EMPREGO DO EXÉRCITO NA OCUPAÇÃO DAS FAVELAS DO RIO

A intervenção das Forças Armadas nos negócios do Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro deixou-nos com a grata impressão de que vivíamos um marco de novos tempos. Com o otimismo dos discursos políticos nas esferas municipal, estadual, federal e a entusiástica cobertura da mídia, dando conta de que as Forças do Bem estavam vencendo a guerra, a população do Rio de Janeiro se acostumou à idéia simplista de que a criminalidade havia encerrado o seu ciclo de dominação nas áreas do Complexo do Alemão. A mecânica de funcionamento do tráfico de drogas e da criminalidade em geral, pressupunha dominar as comunidades sob sua esfera de influência impondo-lhes sua vontade, infundindo o temor quer no morro ou no asfalto e ocupar todos os espaços que o poder público lhe cedesse. As quadrilhas dividem as áreas carentes em feudos e o cidadão acossado sempre viu o concurso da força militar federal como a única forma lembrar a todos que ainda existiriam forças muito maiores que a dos traficantes.

Há muito se sabia que, na prática, não era o Estado quem mandava nos morros e isso levou à adoção das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP); todavia, dado o grande quantitativo e  poderio bélico dos criminosos havia locais onde a polícia não poderia ocupar, senão com risco de muitas baixas. Na tomada Complexo do Alemão, o suporte das Forças Armadas foi um fator chave para o êxito da operação; contudo, como o quantitativo de policiais para uma ocupação permanente ainda não está disponível, decidiu-se que os militares do Exército permanecerão diretamente no policiamento das áreas liberadas do tráfico, até que a PM tenha efetivos em condições de assumi-lo.

Por mais que lhe acometam problemas de toda ordem, as Forças Armadas tem a peculiaridade de estarem sempre prontas para atenderem o chamado de autoridades civis; estas porém quase nunca refletindo acerca das implicações de seu emprego, se valem dos militares para tudo, como um grande coringa, guardado na manga. Além, é claro, de muito bem atuar sempre que ocorrem emergências e catástrofes, os nossos soldados – dentre outras missões – servem para construir estradas de boa qualidade e sem superfaturamento, instalar pontes, distribuir alimentos (para que os mesmos não sejam desviados e usados de forma eleitoreira), conduzir campanhas de vacinação e ainda combater o mosquito da dengue. Curiosamente, menos de uma semana depois de anunciada a permanência do Exército para ocupação da favela, uma manchete num dos maiores jornais do país estampava que a força não teria dinheiro para custear suas operações. Embora as autoridades militares não costumem admitir isso sem um certo grau de constrangimento, falta dinheiro para manter nossas Forças Armadas. Apenas a preparação para o exercício da  sua função de assegurar a defesa nacional já seria suficiente para consumir todos os parcos recursos que hoje são alocados às Forças Armadas brasileiras. Ainda que os militares jamais venham queixar-se de público, qualquer operação de vulto que envolva deslocamento de grande quantitativo de tropas,  da envergadura da desencadeada no Rio de Janeiro, custa ao Exército um dinheiro de que a força terrestre certamente não dispõe. Quando se veicula na mídia números absurdos do nosso orçamento militar, há quem deliberadamente esqueça de dizer que a quase totalidade daquela vultosa soma se destina ao pagamento dos salários do pessoal ativo e inativo. Hoje nossas Forças Armadas sofrem com a penúria de recursos.

Mesmo com dimensões menores do que as desejáveis para um país do tamanho do Brasil, o nosso Exército tem a quantidade de soldados necessária, tem armas, aparato logístico para manter esse contingente operando naquele terreno e dispõe de soldados treinados para a missão de segurança interna; porém a tarefa de mandar soldados para os morros do Rio é muitíssimo mais delicada do que empregá-los sob manto da ONU na pacificação do Haiti. No Caribe, a situação com certeza é mais tensa, pois se trata de uma terra estrangeira, porém os adversários todos tem outras feições e falam outra língua. Nas favelas de Porto Príncipe, qualquer cidadão sabe que deve respeitar os militares das forças armadas brasileiras em serviço e acatar suas solicitações. Lá, os inimigos sabem que estão lidando com uma tropa bem armada, a qual, investida de autoridade policial pode prender e que não hesitará em responder com fogo aos eventuais disparos dirigidos contra seus soldados.

Aqui, embora estejamos operando num meio urbano conhecido e aparentemente amistoso, o inimigo não tem cara, fala a mesma língua e ainda pode buscar, de forma muitíssimo mais incidiosa, subornar e aliciar os militares para o tráfico. Não dá pra desconsiderar o fato de que o salário dos militares, sobretudo o dos praças, é muito menor do que o da média dos bandidos, os quais desfrutam de bens e facilidades que os militares honestos lamentavelmente não podem almejar com seus soldos. Muitos dos soldados também provém de favelas, conhecem e obrigatoriamente tem de se relacionar com criminosos do tráfico nas áreas onde residem. Isolar os militares do público com quem terão de interagir é muito mais fácil no Haiti do que nos morros da Vila Cruzeiro e Alemão. Por maior que seja o profissionalismo e a motivação, blindar essa tropa de ocupação contra a corrupção não é uma tarefa fácil, principalmente quando consideramos que essa corrupção também está presente nas instituições de segurança pública estaduais com cujos integrantes os soldados deverão operar. Não podemos ser ingênuos e esquecer que, para que a situação naquela região alcançasse o patamar a que chegou, muita propina foi paga a maus policiais para que fizessem vista grossa a tudo que deveria ser reprimido. Em pleno curso das operações de segurança em Novembro/Dezembro passados, era voz corrente que policiais corruptos teriam proporcionado cobertura a fuga de criminosos procurados. Muito se comentou, na época, que, curiosamente, a única apreensão de quantia em espécie efetuada junto aos traficantes durante toda a operação, houvesse sido feita por militares e não por policiais.

Para as nossas autoridades civis é fácil designar quaisquer missões para as Forças Armadas, mas será que algum político realmente levou a sério essas questões? Sou capaz de apostar que não! Dar a missão é fácil, proporcionar os meios e o respaldo para o seu bom cumprimento é que são elas. É sempre fácil para eles vestir um camuflado ou colocar um quepe e brincar de comandar tropas. Na verdade, a idéia é sempre a de pega as Forças Armadas, bota lá...e eles se viram!

E há muitas outras questões que merecem atenção... Teremos militares do Exército circulando armados em patrulhas no interior da comunidade? Eles podem deter civis para averiguações? Sob que condições ou com quais argumentos? Se o militar desconfiar da linguagem corporal de algum jovem na rua, poderá detê-lo e conduzi-lo para averiguações, mesmo que ele esteja desarmado ou sem portar drogas? É claro que há uma enorme massa de cúmplices do tráfico que não tem ficha criminal; e como se procede em face deparar-se com um eventual integrante desse grupo, o qual sempre poderá provir informações a respeito dos demais cúmplices? Aqui, nós sabemos que os soldados não podem errar e que qualquer atitude mais enérgica dos integrantes da tropa contra uma má conduta de civis vai suscitar críticas de entidades de direitos humanos e rapidamente assumirá feições de crise política. É sempre fácil por a culpa nos milicos, os quais, na visão desses acadêmicos sempre prontos a opinar acerca de uma realidade que conhecem muito pouco, já possuiriam uma propensão à violência, ao autoritarismo, a arbitrariedade etc. Quem se lembra do Morro da Providência? Bastou a ocorrência do primeiro revés e ninguém assumiu o fato de haver escolhido o Exército Brasileiro para ser vigia do canteiro das obras eleitoreiras. Contratempos assim as nossas autoridades rogam a Deus para não ter de enfrentar e para usar uma terminologia muito comum ao meio castrense, “nessas horas, quando dá problema, ninguém segura”.

Para a opinião pública em geral, a idéia de empregar tropas numa ocupação de área como essa pressupõe manter toda a favela sob vigilância, circular nas partes baixa e alta, inspecionar pessoas, veículos e eventualmente residências, deter, interagir com a população dissuadindo pela presença ostensiva e atuante. Se isso não ocorrer, a imagem da instituição militar poderá ficar francamente comprometida. O tráfico é uma atividade econômica clandestina que pode, se habilmente conduzida, ser desenvolvida em qualquer lugar; contudo a presença da força militar numa determinada área retomada do tráfico implica que os criminosos não mais possam exercer o mando sobre a população local. Os criminosos precisam sentir que, com as Forças Armadas, as coisas não correm frouxas. A área de favelas posta sob controle do Exército é muito grande e para assegurar que o tráfico não volte a atuar (e sobretudo desforrar-se dos moradores que lhe eram contrários, ou que de alguma forma colaboraram com as forças de segurança), os militares deverão agir de uma maneira muito mais presente que a polícia. O emprego das Forças Armadas não pode admitir qualquer coexistência de um Poder Paralelo; seja de dia ou de noite e em qualquer parte da área ocupada. O tráfico sempre deverá ser uma atividade clandestina, subterrânea, que sinta e tema a força do Estado. Aos bandidos que escaparam à prisão num primeiro momento, ou aqueles que atuavam no tráfico mas que não teriam sido presos ainda, deve ser dado saber que, com as Forças Armadas na área, o exercício da sua atividade ilícita só pode leva-los para prisão ou para o cemitério. Numa operação como essa nas favelas da Penha e Ramos, a credibilidade dos militares é posta em cheque em todo momento; e nenhum cidadão consciente deseja que as Forças Armadas sejam empregadas apenas para representar a desmoralizante figura de espantalho na horta. Desde antes do Ano Novo já pontilham informes de que criminosos já estariam de volta à venda de drogas nas áreas ocupadas, ameaçando inclusive a população local. Essa situação de tentar manter o poder clandestinamente, oprimindo os civis está presente nas histórias de guerra irregular na Malásia, no Vietnã, na Argélia, na Colômbia e por certo não podemos deixar que se repita aqui. O Exército não pode ser desacreditado frente ao enorme contingente da opinião pública que francamente apoiou as recentes operações de combate à criminalidade nos morros do Rio.

Embora a idéia da UPP, muito bem explicada pelo Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, não vendesse ilusões quanto a dar fim ao tráfico de drogas discreto, sem ostentação de armas e em pequena escala, a existência de “bocas de fumo” nas áreas ocupadas pelo Exército (tenham elas a forma que tiverem) será  algo sempre mais difícil de explicar. É minha opinião pessoal que combater o crime nos morros seja tarefa usual para polícia e que o Exército foi posto numa furada, ao estilo do velho “vai lá e lá e dá o seu jeito”. Como um entusiasta do Verde-Oliva que sou, eu torço para que ele conclua a sua missão com êxito e sem qualquer mácula. Espero que, as mesmas autoridades que mandaram o Exército para os morros cariocas, acordem para o fato de que faltam às nossas Forças Armadas os recursos para a aquisição de armas modernas, equipamentos, munições, combustível, para treinamento; que não há verbas sequer para a manutenção dos meios existentes e daí não há o que se estranhar que navios avariados permaneçam sempre nos portos, os poucos aviões disponíveis voem menos do que o necessário e que aeronaves e viaturas  sejam “canibalizadas” a fim de manter outras poucas em operação regular.

Vinícius Domingues Cavalcante, CPP.
O autor é consultor em segurança  e Diretor da ABSEG no Rio de Janeiro.
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