Precisamos criar um lobby legítimo de defesa dos valores
familiares e sociais
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal
(STF), defendeu recentemente a legalização da maconha como forma de aliviar a
crise do sistema penitenciário brasileiro. Segundo ele, a medida desmontaria o
tráfico de drogas e, com isso, o número de condenados diminuiria. O ministro
afirmou ainda que, se a experiência desse certo com a maconha, seria o caso de
legalizar também a cocaína.
Inacreditável a superficialidade da afirmação! Legalize-se o
crime e está tudo resolvido.
O ministro Barroso, infelizmente, não se dá conta do peso da
toga e do alcance das suas opiniões. Transmite o descompromisso de um
comentário de mesa de bar. Conseguiu a manchete. Mas em nada contribuiu para
uma discussão séria e construtiva.
Os últimos 20 anos caracterizam-se por um intenso aumento do
consumo de drogas no Brasil e, proporcionalmente, um declínio em várias partes
do mundo. A resposta dos governos tem sido amadorística, fragmentada e
absolutamente insuficiente para enfrentar todos os desafios.
O governo federal, infelizmente, tem sido tolerante com os
nossos vizinhos produtores de drogas (Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru) e até
mesmo com milícias como as Farc. Com essa atitude leniente deixamos desenvolver
um grande mercado de drogas, de norte a sul, de leste a oeste, nas grandes e
pequenas cidades.
Não existe região brasileira hoje que não esteja duramente
marcada pela tragédia das drogas. É uma rede complexa, que envolve desde uma
dona de casa, a um motorista de taxi, um usuário de drogas, resultando num mercado
cada vez mais intricado, com vários tipos de trocas, e envolvendo outras
atividades legais, como transporte, estocagem, aviação e até mesmo bancos.
A partir de 2006, com a Lei 11.343, nenhum usuário foi preso
simplesmente pelo fato de consumir drogas. Essa mudança legal na época foi
considerada boa até mesmo pelos setores da sociedade que defendem a legalização
das drogas. Ela poderia ter sido um avanço se, com a despenalização do usuário,
fosse acrescentado como alternativa o necessário encaminhamento para tratamento
e orientação, como uma das medidas para não só ajudar o usuário, mas também
enfraquecer a rede do narcotráfico. Nada disso foi feito e o que aconteceu
nestes últimos dez anos foi um contínuo aumento e a diversificação do tráfico e
do consumo.
Os países que conseguiram combinar uma ação legal firme com
uma estrutura de tratamento efetivo poderiam ser considerados paradigmas para o
Brasil. A Suécia, por exemplo, mudou sua atitude depois de reconhecer o impacto
negativo das medidas mais “liberais”. Lá – onde o consumo de drogas voltou a
ser ilegal após cerca de 30 anos de liberação – os dependentes surpreendidos
por qualquer agente da lei, da segurança ou do serviço social devem ser
encaminhados para tratamento. Esse tipo de política, que é consensual na
Suécia, leva os diferentes partidos a desejarem que a próxima geração de suecos
não faça uso de nenhuma droga.
Essas histórias de sucesso não são levadas em consideração
pelos paladinos da legalização das drogas no Brasil. Esse lobby está com uma
ação no STF que pede a descriminalização do porte de drogas. Um pedido de vista
do ministro Teori Zavascki interrompeu o julgamento. Com a morte do ministro, o
sucessor dele vai herdar o processo. O argumento falacioso é de que o uso de
drogas é um comportamento que afeta somente o indivíduo e, portanto, seria
inconstitucional uma lei cerceando esse direito.
Uma pesquisa com familiares de dependentes químicos, feita
em parceria com a Federação Brasileira do Amor Exigente (entidade que organiza
mais de mil grupos por todo o Brasil), mostra que o impacto está longe de ser
individual. Segundo o levantamento, para cada usuário, quatro pessoas são
afetadas pelo problema.
Não existe nenhuma história de sucesso de países que tenham
conseguido diminuir o tráfico de drogas por flexibilizar as leis e o consumo.
Na Holanda, quando foram instituídos os chamados coffee shops, locais que
permitiam a venda de maconha, tanto o consumo no país quanto o tráfico local
aumentaram muito.
O tráfico sempre funciona 24 horas por dia, vendendo a um
preço acessível (afinal, não tem incidência de impostos em seu produto) e até
para menores de idade. Mesmo no Colorado, nos Estados Unidos, que por
plebiscito passou uma lei legalizando a maconha, as evidências são de que o
consumo só cresceu, assim como o tráfico. Em Portugal, que também
descriminalizou as drogas, fazendo o usuário enfrentar apenas um processo
administrativo, as evidências científicas independentes, como do Centro Europeu
de Monitoramento de Drogas, mostram que aumentou o uso, sob vários aspectos.
O STF deverá manifestar-se sobre a nossa Constituição, mas
na essência deverá manifestar-se sobre os nossos valores e, especialmente,
sobre o nosso futuro como nação. Não podemos deixar que minorias ativas e
politicamente corretas tomem conta do nosso destino. Precisamos criar um lobby
legítimo de defesa dos valores familiares e sociais. Equívocos têm
consequências e apresentam uma dura fatura humana.
Registro, amigo leitor, um sugestivo texto do papa
Francisco: “São tantos os ‘mercadores de morte’ que seguem a lógica do poder e
do dinheiro a todo custo! A chaga do tráfico de drogas, que favorece a
violência e que semeia a dor e a morte, exige da sociedade um ato de coragem.
Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em várias partes da
América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da
dependência química. É necessário enfrentar os problemas que estão na raiz do
uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os jovens para os
valores que constroem a vida”.
Fonte: Opinião - Estadão
Carlos Alberto Di Franco, O Estado de S. Paulo
É jornalista. E-mail: difranco@iics.org.br